Fabíola Cardoso questiona Ministro do Ambiente e Ação Climática sobre poluição em Alcanena

A vila de Alcanena autointitula-se, com orgulho, a capital da pele e é, desde há muitos anos, uma região onde a indústria dos curtumes tem trazido sérios problemas ambientais, tanto de poluição  atmosférica  -  maus  cheiros,  estores  pretos  e  doenças  respiratórias  -,  como  de descargas no meio hídrico, nomeadamente no Rio Alviela e contaminação de solos. Até hoje, o Centro Tecnológico das Indústrias do Couro (CTIC) não conseguiu resolver o problema da modernização deste setor industrial e da sua compatibilização com a envolvente natural e humana.

Em fevereiro de 1988 entrou em funcionamento a ETAR, construída pelo estado e entregue, a 3 de março de 1993 por um protocolo assinado pela Direção-Geral de Recursos Naturais, à AUSTRA  (Associação  de  Utilizadores  do  Sistema  de  Tratamento  de  Águas  Residuais  de Alcanena), entidade formada em 1992 pelos industriais de curtumes de Alcanena e que inclui o município.

Em 2009 foi protocolado o Plano de Requalificação e Valorização da Bacia do rio Alviela, para resolver a questão do tratamento de efluentes no concelho e que reunia a Câmara Municipal de Alcanena, a AUSTRA, o Instituto da Água, I.P.(INAG) e a ARH do Tejo, I.P.. Este protocolo previa um grande investimento na requalificação da ETAR de Alcanena e que foi posteriormente reduzido a pequenas intervenções.

A 6 de julho de 2019 foi criada a Aquanena (Empresa Municipal de Águas e Saneamento de Alcanena) com o objetivo de gerir o sistema de saneamento industrial e tratamento de efluentes de Alcanena que antes era da competência da AUSTRA. Este resgate do contrato da concessão da ETAR de Alcanena teve por base um parecer da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), sobre a impossibilidade de associações de utilizadores serem entidades gestoras, conforme terá dito à Lusa a presidente da Câmara Fernanda Asseiceira e que referiu igualmente que os industriais têm vindo a “dificultar o processo” por não quererem “abdicar de uma posição de controlo”.

A 14 de outubro realizou-se uma concorrida e demorada Assembleia Municipal Extraordinária para debater o problema, que invade de forma persistente a vila e várias zonas do concelho. A própria Assembleia foi invadida pelos cheiros pestilentos, levando a presidente da Câmara Municipal de Alcanena, Fernanda Asseiceira, a anunciar a participação ao Ministério Público “por más praticas promovidas na utilização do sistema que se afiguram de crime ambiental”. Fernanda Asseiceira reconheceu ainda que “a poluição que se tem feito sentir, nomeadamente com os odores extremamente agressivos, desagradáveis e prejudiciais, põem em causa o ambiente e a saúde pública”. Afirmou ainda, segundo noticiou o mediotejo.pt*, incumprimentos “elevadíssimos” em descargas efetuadas para o sistema ao nível de gorduras, de “170 mil mg por litro contra os 700 mg/l” permitidos por lei, e ao nível de sulfuretos, com “registos de 200 mg/l contra os 36 mg/l”, e que “comprometeram” o bom funcionamento do sistema, por parte de algumas empresas do setor dos curtumes.

Já a 28 de outubro mais de 600 alunos, acompanhados por populares, manifestaram-se em protesto contra a poluição atmosférica de que são vítimas diariamente, provocando irritação na garganta, dores de cabeça e vómitos aos alunos e que tem levado alguns estudantes a sair da escola.

Ainda durante o passado mês de outubro, fruto da descrença na capacidade das instituições nacionais em resolver este grave problema ambiental e de saúde publica, foi lançada uma petição dirigida ao Senhor Karmenu Vella, Comissário Europeu para o Ambiente, Assuntos Marítimos  e  Pescas,  assinada  SOS  Alcanena.  Esta  petição  recolheu  já  mais  de  1000 assinaturas.  As  queixas  de  cidadãos  continuam  a  chegar  ao  Bloco  de  Esquerda.

Atendendo ao exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem por este meio dirigir ao Governo, através do Ministro do Ambiente e Ação Climática, as seguintes perguntas:

1.  Tem o Governo conhecimento destes graves problemas e da participação ao Ministério Público?

2.  A  Agência Portuguesa do Ambiente (APA) confirma que estão emitidas as autorizações de ligação dos efluentes à ETAR e posterior descarga?

3.  Quais as conclusões das ações de fiscalização ambiental sobre a indústria de curtumes, incluindo os referentes à qualidade do ar?

4.  Existe tratamento prévio à entrada no sistema por parte destas unidades?

5.  Existem  estabelecimentos  industriais  identificados  em  incumprimento?  Quais  e  que penalizações  foram  instruídas?

6.  Pode o Governo disponibilizar o cronograma de implementação das medidas corretivas dos estabelecimentos infratores?

7.  Existe um plano de ação, investimento e cronograma, para reabilitar a ETAR que recebe a elevada carga de efluentes industriais?